O Compliance como aliado à alta administração para sustentabilidade dos negócios
O Compliance como aliado à alta administração para sustentabilidade dos negócios
Por Carolina Alencar Marchesano
Desde as primeiras aplicações de mecanismos de autorregulação no mercado até o recente impulsionamento de sua utilização para recuperação da credibilidade empresarial frente a escândalos corporativos, é possível apontar o constante redimensionamento de questões inerentes ao Compliance na esfera organizacional. A importância do referido instituto não foge, entretanto, de uma premissa básica: a necessidade de educação institucional em determinada rotina de negócios, especialmente, quando se trata do setor financeiro.
Nessa linha, a atividade estruturada de Compliance relaciona-se diretamente à seara financeira e à movimentação de recursos em companhias. Não à toa, o instrumento surgiu nos bancos, por meio da criação do Banco Central dos Estados Unidos da América, no início do século XX, seguida da elaboração de padrões internos de controle para prevenção de crises financeiras e de crimes corporativos, sob supervisão da Securities and Exchange Comision (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana, modelo difundido mundo afora posteriormente.
Percebe-se que sistemas relacionados à corregulação e à autorregulação empresarial contribuem para o bom funcionamento dos negócios, ainda mais quando considerada a atual complexidade organizacional das empresas, contexto dentro do qual as regras elaboradas pelo ente privado vêm a ter maior eficiência na mitigação dos riscos em comparação às normas legais ou regulatórias, devido ao conhecimento especial da empresa quanto às próprias atividades, bem como às possibilidades de rápida intervenção nos negócios, nem sempre disponíveis ao Estado.
O fato de as instituições melhor dominarem o âmbito no qual atuam as faz possuir informações técnicas e práticas estratégicas para criação de regras pertinentes às demandas de mercado, possibilitando uma atuação mais assertiva, eficaz e célere se comparada à da autoridade governamental. A implementação de diretrizes próprias de autogestão e de parâmetros de conduta do mercado pela estrutura privada representa o cerne de um Programa de Compliance.
Assim, o Compliance traduz um sistema complexo e organizado de procedimentos de gerenciamento de riscos e preservação de valores, coerente com a estrutura societária, modelo de negócios e apetite ao risco das empresas. Quando bem executado, junto ao compromisso efetivo de sua liderança e como estratégia corporativa, resulta na criação de um ambiente de segurança jurídica e confiança indispensável para a tomada sensata de decisões de negócios e para a credibilidade da companhia, dentro de um regime coeso de governança.
O controle do risco corporativo por meio do Compliance
A existência e a necessidade de implementação de métodos de controle partem do pressuposto de que as vulnerabilidades fazem parte da atividade empresária e são aceitáveis caso controladas. O risco é inerente aos negócios, tratando-se de um risco permitido, uma vez que a existência de corporações revela-se lícita, necessária e socialmente útil, inclusive valorada pelo Ordenamento Jurídico, de acordo com a função social das instituições. Referido cenário consiste no motivo pelo qual tais riscos podem ser aceitos pelo Direito e pelas autoridades, desde que monitorados por meio de sistemas de Compliance, porquanto os benefícios da atividade empresária superam os fatores a serem mitigados.
Ainda que se trate de atividade legítima e autorizada, os responsáveis por ela não estão desonerados de deveres de cuidado e precaução. Exatamente por representar uma atividade que emana riscos – mesmo que permitidos, a diretoria deve atuar preventivamente para que a propriedade dessa vulnerabilidade não exceda os limites estabelecidos pela norma, vindo a transcender para um risco não permitido. O Compliance consiste, assim, em instrumento de verificação de potencial defeito organizacional de empresa, com posterior implementação de medidas pertinentes de prevenção, detecção e mitigação de irregularidades, aptas à conscientização de todas as partes envolvidas nos negócios quanto às suas atribuições e deveres, inclusive delimitando responsabilidades administrativas e penais dos sócios e administradores.
Trata-se de instrumento de mudança comportamental dos indivíduos na execução das atividades rotineiras de entes corporativos, já que um Programa de Compliance efetivo é capaz de preservar a pessoa jurídica quanto aos riscos jurídicos, financeiros e reputacionais, bem como de aumentar a prudência e a segurança jurídica nos negócios, favorecendo o crescimento sustentável das companhias.
A autogestão empresarial foca na adoção de boas práticas de Governança Corporativa e de estruturas de Compliance não só como estratégia de marketing, mas para real organização interna de codificação e fiscalização da administração da empresa, garantindo a minimização de riscos e a otimização dos negócios ao submetê-los às normas administrativas e regulatórias sobre eles incidentes. Nesse influxo, o Programa de Compliance auxiliará no cumprimento de todas as exigências aplicáveis, de modo a destacar aquelas companhias com boa gestão frente aos demais concorrentes no mercado em diversos aspectos.
Sob tal perspectiva, estudos demonstram que, a cada US$ 1 investido na implementação e manutenção de medidas inerentes a um Programa de Compliance, a empresa pode alcançar uma economia de até US$ 5, valor este que, possivelmente, seria gasto com multas, processos de contencioso jurídico e outras situações onerosas caso os devidos cuidados não tivessem sido tomados previamente.[1] Referido resultado ressalta a relevância do uso inteligente de recursos para investimento em mapeamento de riscos, medidas preventivas, educativas e corretivas, visando à adequação e higidez das atividades empresariais.
Pesquisas similares ainda demonstram indicadores favoráveis à aplicação de bons mecanismos de Compliance. Foi verificado que um Programa de Compliance eficiente consome, ao ano, em torno de US$ 6 milhões a cada US$ 1 bilhão em receitas alcançadas por uma companhia.[2] Em compensação, a mesma análise constatou a incidência de gastos de US$ 81 milhões gerados por apenas uma falha operacional ocorrida na rotina de negócios de uma empresa detentora de US$ 1 bilhão de faturamento.[3]
Fica clara a importância do caráter preventivo do Compliance, a instruir toda uma programação de encadeamento de condutas incentivadoras da minoração dos riscos da atividade empresarial. Assim, sua configuração é pensada sobre fatores como o aprimoramento da capacidade comunicativa nas relações econômicas, chegando-se a técnicas de defesa da concorrência leal e justa, complementadas por processos de prevenção de perigos ulteriores. Por conta de sua natureza, o Compliance prioriza ações de prevenção da ocorrência de ilícitos e irregularidades, mas abarca, também, procedimentos pré-estabelecidos para o adequado tratamento de irregularidades que, por algum motivo, não puderam ser contidas, mitigando-se suas consequências mediante um sistema adequado de gestão de crises.
Os fundamentos dos mecanismos de Compliance no mercado financeiro
Conforme mencionado anteriormente, o mercado financeiro possui a tendência normativa de delegação do modo de gestão e fiscalização dos negócios pela esfera pública à seara privada, o que remete a uma maior necessidade de estruturação de um bom Programa de Compliance. Em atualização das normas de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento ao terrorismo, o Banco Central do Brasil (“BACEN”) abordou, por meio da Circular nº 3.978/2020, o sistema de Supervisão Baseada em Risco, muito relacionado ao Compliance. Remonta, dessa forma, a uma estratégia que envolve a avaliação e gestão de atividades, processos e projetos, com base na probabilidade de ocorrência de eventos adversos frente ao grau de impacto, critérios tais a serem elencados e valorados de maneira discricionária por cada instituição.
Referida norma do BACEN otimiza procedimentos de supervisão ao propor que as medidas de prevenção sejam adotadas proporcionalmente ao nível do risco identificado e classificado de acordo com o entendimento e conhecimento da corporação. Agrega flexibilidade, mas, também, mais responsabilidade na gestão de riscos por parte de entidades reguladas pelo órgão, aspecto característico de um modelo de autorregulação e Compliance.
Ainda pela sensibilidade na condução de negócios ligados à movimentação recursos financeiros, as respectivas leis e regulamentações preveem outras peculiaridades nos processos de Compliance, como a obrigação de comunicação de operações suspeitas de clientes daquelas entidades pertencentes a setores mais sujeitos ao risco de lavagem de dinheiro, conforme diretrizes da Circular nº 3.978/20 do BACEN e Lei nº 9.613/98 (Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro).
Como instituição de pagamento regulada pelo BACEN, o FitBank entende a importância de seguir estritamente todas as normativas pertinentes aos seus negócios, a fim de sustentar operações saudáveis e não permitir que sua infraestrutura tecnológica seja utilizada por terceiros de má-fé e em detrimento do Sistema Financeiro Nacional. Busca constantemente desenvolver, implementar e manter um ambiente empresarial de prevenção de riscos materiais e imateriais, por meio da conformidade relacionada a todas as vulnerabilidades que possam advir de suas atividades no setor de meios de pagamentos, visando ao cumprimento de requisitos legais, regulatórios, morais e aqueles provenientes da Autorregulação.
Além de otimizar processos, os mecanismos de Compliance do FitBank auxiliam na contenção de riscos jurídicos, reputacionais e financeiros, garantindo a sustentabilidade do negócio. Pretende-se, com isso, atingir um constante e dinâmico meio termo necessário entre Compliance e atividades comerciais, a fim de proteger os negócios ao mesmo tempo em que não se impõe a colaboradores e parceiros encargos excessivos que engessem a companhia.
Pode-se afirmar, portanto, que o Compliance representa um grande aliado à alta administração como instrumento preventivo e delimitador de responsabilidades. Consiste em requisito universal, exigido por organismos internacionais e instituições públicas e privadas, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de um mercado justo e equilibrado, disseminando-se uma cultura de integridade e cumprimento das normas pertinentes à empresa.
Referênciass
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Criminal compliance: os limites da cooperação normativa quanto à lavagem de dinheiro. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais: RDB, v. 15, n. 56, p. 293-336, abr./jun. 2012.
SCHILDER, Arnold. Banks and compliance challenge. Speech by Professor Arnold Schilder, Chairman of BCBS Accounting Task Force and Executive Director of the Governing Board of the Netherlands Bank at the Asian Banker Summit, Banbkok, 16 Mar. 2006.
STEINBERG, Richard M. Governance, risk management, and compliance: it can’t happen to us – avoiding corporate disaster while driving success. New Jersey: John Wiley & Sons, 2011
[1] SCHILDER, Arnold. Banks and compliance challenge. Speech by Professor Arnold Schilder, Chairman of BCBS Accounting Task Force and Executive Director of the Governing Board of the Netherlands Bank at the Asian Banker Summit, Banbkok, 16 Mar, 2006, passim.
[2] STEINBERG,Richard M. Governance, risk management, and compliance: it can’t happen to us – avoiding corporate disaster while driving success. New Jersey: John Wiley & Sons, 2011.
[3] STEINBERG, Richard M. Governance, risk management…, cit., pp. 23 – 24.